São Luis do Maranhão, 20 de julho de 2021.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Eles trocam o dia pela noite


Não é preguiça nem insônia: os vespertinos ou notívagos preferem trabalhar, estudar e se divertir enquanto o resto do mundo dorme



Como em todo Carnaval, serão 24 horas de folia por dia. De madrugada, as avenidas vão tremer com o batuque dos tamborins, as passistas das escolas de samba e o carnaval de rua vai espalhar marchinhas pelos bairros boêmios de todo Brasil. Por quatro dias, boa parte do país vai ficar de pé até mais tarde e ir dormir só quando o sol nascer. Essa rotina invertida, contudo, é o normal para 5% a 7% da população brasileira: são os notívagos. 

É o caso da psicóloga mineira Maria Aparecida Francisquini, 50. “Se tenho que trabalhar de manhã, é uma luta. O esforço é horrível. Quando acordo cedo, à noite, a dor de cabeça é uma coisa extrema”, diz Francisquini. “Agora não ligo mais, mas já, passei vergonha pelas pessoas me ligarem às 9h de manhã e eu estar dormindo”, conta. Ela acorda por volta de 10h e às vezes trabalha até o sol raiar. “Escrevo meus artigos para revistas e jornais às 2h, 3h da manhã. Sinto mais paz.” Para ela, quem diz que “é só se disciplinar” está mentindo.

Diferentemente dos insones, os notívagos dormem bem e são bastante produtivos quando podem seguir seu relógio biológico. O padrão mais comum na população são pessoas que acordam pela manhã, rendem durante o dia e dormem durante a noite. Há os matutinos extremos, que acordam por volta de 3h da madrugada e dormem ao anoitecer, e os notívagos extremos, que acordam por volta de meio-dia e muitas vezes ficam despertos até 5h, 6h da manhã. São os que mais se prejudicam por terem um relógio biológico muito distante do “horário comercial”. “Os problemas começam com alterações do humor e do sono e mais adiante há problemas na digestão e eventualmente hipertensão”, diz Luiz Menna-Barreto, especialista em Cronobiologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

Dificuldades

A enfermeira Lucia Varella, 41 anos, está passando por esse drama. Notívaga desde a pré-adolescência, primeiro foi diagnosticada como depressiva e insone. “Tomei medicamento tarja preta por muito tempo, mas começou a me fazer mal. Minha adolescência foi um inferno. Ia para a escola dormindo, não rendia. No trabalho me prejudicava também”, conta. Lucia começa a ter pique por volta de 18h. “Tenho vontade de estudar, sair, limpar a casa. Só começo a ter sono às 7h, 7h30 da amanhã”, afirma. “Fico dessincronizada do resto do mundo.” Quando dorme cedo, não aproveita. “Não é um sono gostoso. Fico duas horas para lavar uma louça no dia seguinte, fico de mau humor e sem paciência”.

Segundo o John Araújo Fontenelle, do Laboratório de Neurobiologia e Ritmos Biológicos da Universidade Federal de Rio Grande do Norte, o maior problema é a obrigação de se adaptar à rotina diurna. “Vespertinos extremos passam por uma maior privação de sono, porque dormem tarde mas acabam tendo que acordar cedo”. O pesquisador afirma que o melhor é a pessoa tentar ajustar sua vida social conforme seu estilo de ritmo biológico, o que inclui trabalhos mais flexíveis e estudar à tarde, por exemplo. “A sociedade é dos matutinos. Veja o preconceito no ditado ‘Deus ajuda quem cedo madruga’”, diz. Fontenelle é coautor de um estudo com 16 mil brasileiros, que avaliou a influência da latitude e das diferenças genéticas nos padrões de sono.

São três fatores que regulam o relógio biológico: genética, exposição à luz e disciplina com hábitos para dormir. “As evidências atuais apontam para a interação entre fatores genéticos e influências ambientais, numa proporção ainda não bem identificada e que talvez não seja a mesma para todos”, diz Menna-Barreto. Além disso, adolescentes tendem a se tornar vespertinos transitoriamente, e muitos são injustamente considerados preguiçoso. “Com a idade, tende-se a ficar menos vespertino. Quem é matutino extremo, fica ainda mais”, afirma Fontenelle.

Como se adaptar? 

Há estratégias para tentar viver melhor no horário diurno. “A primeira coisa a fazer é ajustar o relógio biológico com a luz. Um vespertino extremo precisa se expor à luz solar naturalmente no início da manhã. Acordar às 5h30 e ir andar na praia, por exemplo”, diz Fontenelle. “Demora entre uma e duas semanas de rotina para fazer as pessoas se sentirem mais dispostas.” Na população brasileira, 5% a 7% são vespertinos extremos, tendo a mesma proporção de matutinos. “No Nordeste, onde o sol nasce e se põe mais cedo, você tem mais tendência a matutinidade. No Sul, aumenta o número de vespertinos”, afirma o pesquisador.

O tratamento é o último caso. “Sugiro que a pessoa tente se observar e alterar sua rotina verificando como isso afeta seu bem estar. Não há uma droga para propiciar ajuste imediato ou a curto prazo a um horário de trabalho ‘desconfortável’”, diz Menna-Barreto. “Até certo ponto somos adaptáveis, mas isso varia para cada pessoa. É preciso usar estímulos externos, como refeições e atividade física.”

Há nove anos, a webwriter Patrícia Müller mudou drasticamente sua forma de trabalhar para acomodar melhor seus padrões de sono incomuns. “Meus níveis de energia e produtividade atingem seus picos em horários em que a maioria das pessoas estão se preparando para dormir. Resolvi abraçar minha natureza ao invés de brigar contra ela”. Ela já usou melatonina por conta própria e conseguiu bons resultados para induzir o sono. “A questão é que eu não considero a diferença no meu relógio biológico um problema ou uma disfunção”, afirma. “Notívagos são mais comuns do que se imagina e acredito que estamos definindo ‘normalidade’ pelos critérios errados. A solução não é ‘tratar’ o metabolismo - e sim encontrar alternativas viáveis e saudáveis de interagir social e profissionalmente.”

Hoje, ela achou formas harmoniosas de lidar com seu relógio biológico e acorda mais cedo do que antes, por volta de 8h a 10h da manhã. “Ainda que eu durma 3 ou 4 horas por noite, no período noturno os picos de energia se mantêm inalterados”. “Para o notívago que gosta do silêncio da noite e trabalha de casa, como eu, uma das maiores vantagens é o nível de produtividade que conseguimos alcançar. Na madrugada não há interrupções. A concentração é total. Pessoas que têm empregos em turnos noturnos, têm também a vantagem de não enfrentar trânsitos, filas, etc.” Como disse o poeta Goethe, “a noite é metade da vida, e a melhor metade”.

Fonte: IG Saúde

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